O que Anita Malfatti poderia nos ensinar sobre likes

vvmorais
4 min readMay 16, 2020

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e a lembrança de que Monteiro Lobato foi um grande babaca

Grande ensinamento do Manual de Sobrevivencia Escolar do Ned. Fonte: Pinterest.

Já tinha passado da meia noite quando meu grande amigo fotógrafo/geógrafo/debochado Ian Nogueira me solta:

"…na rede, a gente é refém do feedback , né?"

Assim, num relance bem à la "As Visões de Raven" eu lembrei de um feedback que mudou os rumos da arte brasileira na década de 20.

Era dezembro de 1917 quando Monteiro Lobato publicou uma nota digna do Leo Dias no jornal Estado de São Paulo esculhambando a pintora Anita Malfatti e seus companheiros modernistas.

"[…] A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura"

Recém chegada da Alemanha, Anita havia feito uma exposição de suas obras, extremamente influenciadas pelo expressionismo europeu que viu pipocar em seus anos de estudo no continente. Em "Paranóia ou mistificação?", Lobato — nada carinhosamente — relacionou os instintos modernistas à loucura e causou um fuzuê no mundo artístico naquele momento.

Anos depois, Anita participaria da Semana de Arte Moderna, um dos eventos mais marcantes da arte brasileira. Há quem diga que o artigo foi o estopim para a grande reunião dos vingadores do modernismo em 22.

Anitta chiquérrima tendo que lidar com homi ruim desde antes de foto ter cor. Fonte:IEB

O título desse texto (o meu, no caso) talvez tenha sido uma escolha muito clickbatiana, afinal Anita na verdade ficou bem mal com a crítica e quase entrou em depressão depois do ocorrido. Mas, apesar das vendas perdidas e do hate recebido, o fato dela não ter desistido do seu estilo de pintura mostrou que tinha alguma coisa ali que a fazia acreditar que, mesmo ainda não tendo tido tanto contato com esse público, haveria algum nicho de pessoas apreciadoras de "arte manicomial" (será que Monteiro Lobato aprovaria o trabalho de Dra. Nise da Silveira no Engenho de Dentro, ou arranjaria outro motivo para encher o saco? Enfim).

Na Semana de 22 os artistas fortaleceram seu nicho e quem decidiu passar por lá já tinha sido bem avisado que a coisa seria peculiar. Naquele ambiente, Anita, Mário, Villa-Lobos e os outros modernistas estavam comunicando com quem tinha abertura para esse tipo de arte e pensamento, por mais imprevisível que fosse.

"A Boba". Anita Malfatti, 1915. Fonte: Itaú Cultural

Voltando rapidinho aqui para 2020, onde o equivalente do textão de Monteiro Lobato seriam 140 caracteres desaforados no Twitter, as formalidades para escrachar (ou cancelar) um artista mudaram de modo e plataforma.

Numa rotina em que muito se posta e pouco se diz, seria uma honra talvez receber uma grande nota ofensiva sobre seu trabalho? Afinal, visitar a exposição, analisar a obra, chegar em casa, passar horas remoendo a indignação numa tela luminosa e ainda postar é de uma disposição de tempo admirável.

Assim como o oposto do amor não é o ódio, mas sim a indiferença, na nossa conhecida era digital o não retorno (não ter likes e, muito menos, comentários) é o pior feedback. A pessoa não se deu nem ao trabalho de clicar duas vezes na tela?!

Mas todo o valor do seu conteúdo pode ser medido por um esforço tão mínimo como um clique? E se não estão clicando porque o incrível algoritmo não tá deixando seu conteúdo chegar?

Parece uma armadilha colocar todas as suas motivações para compartilhar algo em redes sociais com tantos empecilhos para uma comunicação horizontal plena. Isso sem falar que o oposto também acontece. O esforço de curtir algo é, na prática, minúsculo. Ter um número impressionante em uma postagem, não automaticamente é convertido em atenção ou engajamento significativo.

Mas assim, ainda há a possibilidade das pessoas próximas te acharem chato ou não gostarem tanto do seu trabalho. Acontece.

Você tem consciência de quem está na sua redoma virtual? Essas pessoas têm interesses que convergem com o tipo de conteúdo que voce está produzindo ou é um apanhado de colegas de ensino médio que você educadamente seguiu ao criar sua conta e, depois da criação do aplicativo que fala quem deixou de seguir quem, ficou com vergonha de cortar esse laço cibernético?

Não to falando que sair dando unfollow em todo mundo que não tiver um grande interesse em pães artesanais como você vá resolver suas ansiedades, mas, talvez, alinhar suas expectativas na rede social a partir de uma olhadinha em como foi estruturada a sua rede seja um bom seja um bom começo. Talvez, se conseguir mostrar qual a importância daquele belíssimo pão de fermentação natural pra ti, seja até possível converter um de seus seguimores. Pessoas costumam se encantar por outras pessoas falando de suas paixões.

Após uma série de stories que publiquei na última semana, falando também dessa validação de um conteúdo a partir dos números, uma amiga respondeu que se identificava mesmo seu instagram não fazendo parte de um projeto artístico. O que eu disse — e que, veementemente, acredito — é que o eu, pessoa física, é o maior projeto pessoal que a gente tem. É vitalício. Então, tudo o que foi trazido acima se aplica a projeção das nossas ideias, gostos e imagens nas redes sociais. Principalmente em um contexto de acesso limitado à sua expressão física.

E, bom, se os likes na sua selfie forem te trazer uma paz de espirito, ainda não é pecado recorrer àqueles aplicativos que fazem gringos aleatórios darem um coraçãozinho no seu post.

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